Cervejas memoráveis- ANCHOR LIBERTY ALE, a primeira American IPA.

Talvez grande parte dos ‘hop-heads’ e lúpulo-maníacos de hoje em dia não se deem conta, mas a ANCHOR LIBERTY ALE, disponível em grandes redes de supermercado aqui no Brasil, é uma cerveja revolucionária: é considerada a primeira American IPA.

Ela foi a primeira American IPA a ser produzida nos EUA após a lei-seca, em 1975 e foi responsável pelo ressurgimento da técnica dry-hopping. Foi também a primeira 'single hop' norte-americana, cerveja que utiliza somente um lúpulo na sua receita. Foi ela que apresentou o lúpulo Cascade aos americanos, hoje um lúpulo amplamente utilizando nos diversos estilos/ subs-etilos de IPAs- as Black IPAs também são chamadas de Cascadian Dark Ale por conta da (usual) forte presença dessa varietal.

A Anchor Liberty possui 47 IBu’s (unidade de amargor- para ser uma IPA, a cerveja deve possuir entre 40 e 70 IBUs) e é feita com flores frescas inteiras do lúpulo Cascade e duas variedades de maltes.



Porém, há controversas! Alguns consideram a Anchor Liberty Ale como uma American Pale Ale, como está classificada no ratebeer.com. Outros afirmam que é uma American IPA, como o beeravocade.com.

Para aumentar a celeuma, o Guia do BJCP 2015 cita essa cerveja como o primeiro exemplo de American IPA a ser feito, em 1975. Porém, no mesmo guia, é dito que o estilo American IPA já se sobrepujou à Anchor Liberty Ale, que hoje poderia ser considerada como uma APA, dado ao perfil mais agressivo (leia-se mais amargor) das American IPAs da atualidade.

Na própria página da cervejaria, há um espaço com essa questão: Seria a Liberty uma IPA ou APA?

Um pouco de história(*).

"Quando foi feita pela primeira vez, em 1975, o termo "IPA" (India Pale Ale) não estava nem perto de ser tão amplamente utilizado como é hoje. Havia apenas pouquíssimos exemplos comerciais de India Pale Ale e estes não eram verdadeiras IPAs como conhecemos hoje. O termo "APA" (American Pale Ale) ainda não existia à época. Havia "pale ales", como a Bass Ale, e "brown ales", exemplificadas por algumas smilares à Newcastle`Brown Ale. Outras cervejas americanas se chamavam "ales", como Rainier Ale, mas estas eram muitas vezes apenas lagers fortes e eram normalmente comercializados na categoria malt liquor.

Fritz Maytag (que comprou a Anchor Brewing em 1960 e evitou a falência da cervejaria) queria fazer uma pale ale com pegada do estilo britânico, mas utilizando um lúpulo americano, e também queria empregar a técnica quase esquecida dry-hopping. O que surgiu então foi a Liberty Ale, uma verdadeira "pale ale" com uma generosa quantidade de lúpulo Cascade adicionado na caldeira de cerveja, e um dry-hopping adicional com Cascade para um bom equilíbrio.

Por definições de hoje, esta é uma receita clássica para uma IPA. No entanto, pelas opiniões dos puristas estilo da época (principalmente britânicos), não poderia realmente ser um IPA, porque não estava certo. Os lúpulos não eram britânicos. Não era fabricada na Grã-Bretanha. Levedura errada. Era muito efervescente. Não era uma IPA.

Esta não era a principal preocupação dos cervejeiros da Anchor, basicamente porque eles não estavam tentando fazer um IPA, e eles nem a chamaram de IPA na época. Era apenas uma pale ale muito lupulada. E, a propósito, a Liberty Ale não foi imediatamente popular dentre os bebedores de cerveja de meados dos anos 1970 - com algumas exceções notáveis. Com uma monstruosa (para a época) carga de 47 IBU, era demasiadamente amarga para quase todo mundo, sendo Michael Jackson (o beer hunter, não o cantor!) uma dessas exceções.

Indo um pouco além na linha do tempo, para o final da década de 1980, e o surgimento de mais "micro cervejarias" (o termo "cervejaria artesanal" também nem existia). Essas micro cervejarias fabricavam quase que exclusivamente ales de um tipo ou outro, porque ales são mais fáceis e mais indulgentes para maturar do que lagers. Já que o renascimento cervejeiro americano foi incubado na costa oeste, que coincidia em ser próximo às primeiras regiões produtoras de lúpulo daquele país, foi uma consequência natural que muitas cervejas da costa oeste evoluíssem para ser "lúpulo-centradas", tais como a Stone Brewery.


Stone brewery e suas criações'lúpulo-centradas'.


Seguindo em frente, logo tivemos centenas de cervejarias brassando cervejas semelhantes, todas as quais estavam tentando ser notadas. As dezenas das microcervejarias da épóca eram compostas principalmente por cervejeiros caseiros entusiastas que tinham sido organizados de uma forma ou outra há anos. Esses caras haviam desenvolvido um processo formal para julgar os seus produtos e começaram então com o processo de definição de parâmetros de estilo.

Ao longo do caminho, uma organização guarda-chuva agora conhecida como a AHA, American Homebrewers Association, ou Associação Americana de Cervejeiros Caseiros, veio a existir. A AHA definiu ainda estilos de cerveja e procedimentos de julgamento, além de desenvolver um programa de treinamento para julgar cerveja agora conhecido como o BJCP, ou Beer Judge Certification Program. O BJCP publica definições de estilo e os ajusta periodicamente para acomodar novas cervejas e as novas variantes de estilo que parecem pulular continuamente.

Em meio ao clima de evolução de estilos de cerveja artesanal, o termo "IPA" tomou à frente no fim de 1990. Pale Ales tinham reinado absolutas por bastante tempo e agora eram quase clichês - datadas mesmo, segundo alguns - mesmo que ainda fossem muito populares e todo mundo ainda brassasse alguma. Além disso, "IPA" parecia soar exótico e especial. Basta dizer "IPA" que já soa mais legal ( alguma coincidência com o Brasil hoje!?). De repente, todo mundo estava se fazendo IPA.


A Punk IPA atualmente também navega no limiar entre uma APA e uma IPA.

Enquanto que as pale ales (ou APAs) tem praticamente permanecido a mesma coisa durante anos, as IPAs tinham evoluindo à velocidade da luz. O que seria um IPA hoje? Essa pergunta por si só é difícil de responder, com o grande número de IPAs e suas variações ( Black IPA, White IPA, Imperial IPA, Brown IPA etc.) levaram o estilo ao extremo. Perguntemos a AHA, BJCP, Brewers Association (BA), e a outros que ditam definições de estilo, que usaremos aqui. Uso comum ditará a definição, uma nova terminologia suplanta uma velha, significados evoluem, e seguimos em frente.

Voltando à Liberty Ale. Deixemos a História para trás, e vamos nos referir às definições clássicas do BJCP como ponto de partida. APA ou IPA? (presumindo "American IPA" por causa do uso de lúpulo norte-americanos, etc.). As diretrizes de estilo mais atuais destes dois estilos, conforme definidas pelo BJCP, se sobrepõem em um grande grau. Elas também são ligeiramente vagas a tal ponto que às vezes podemos pensar que as pessoas que escrevem essas diretrizes são as mesmas que escrevem horóscopos! A principal diferença que é descrita é que IPAS tendem a ser mais agressivamente lupuladas e ter mais de 40 IBUs. uma APA é frequentemente descrita como sendo mais leve em corpo e cor e tendo IBUs na faixa de 30 a 45, mas pode ser maior.

A Liberty Ale era um monstro de lúpulo no final de 1970, mas pelos padrões de hoje ela fica na extremidade baixa das diretrizes de estilo de IPAs americanas por conta de IBUs e ABV. Mas ela ainda está lá!




Por outro lado, a Liberty Ale também se encaixa muito bem no âmbito de diretrizes de uma APA, embora na parte alta da escala de unidades amargor (IBU) para o estilo, mas bem dentro da faixa de de grau alcoólico (ABV).

Como já mencionado, a cervejaria não a chamava de IPA à época, simplesmente porque isso não era um termo de uso comum, estava fora do ‘radar’ da cervejaria. E também nem podia chamá-la de APA porque não havia tal designação.

Como tem evoluído, a indústria de cerveja artesanal praticamente definiu a Liberty Ale para a própria cervejaria. Podemos agora dizer que, em virtude do dry-hopping, a Liberty Ale foi a primeira IPA verdadeiramente fabricada nos Estados Unidos, pós lei seca. Mas, novamente, pelos padrões e descrições de hoje, ela também pode ser chamada de uma APA.

A Liberty Ale foi -e ainda é- um produto pioneiro que estabeleceu o padrão para muitos outros que virão. Ela ressuscitou a técnica de dry-hopping e a apresentou para uma nova geração de fabricantes de cerveja.

Então, APA ou IPA? Não importa onde você escolher colocar a Liberty Ale. Ela se encaixa confortavelmente em ambos os estilos, e também pode ficar sozinha em uma categoria única, própria de cervejas revolucionárias."


*Texto extraído e adaptado de www.anchorbrewing.com

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